A obtenção instantânea de informação pela Internet sobre quase tudo e quase todos é uma realidade. Temos a possibilidade de estar diariamente inseridos em redes sociais online e em grupos virtuais, como Facebook, WhatsApp, Instagram e outros, nos quais as informações circulam de uma forma quase imediata. Um simples toque na tela nos conecta ao mundo, permitindo a interação com os outros, à distância e em tempo real.
Toda essa tecnologia tem um impacto profundo no cotidiano das pessoas, alterando a forma como se relacionam, como constroem e difundem valores, refletidos nos fluxos de informações que circulam nas redes sociais.
De acordo com a Dra. Pamela Rutledge, Diretora do Centro de Pesquisas sobre Psicologia e Mídia, na Califórnia, dedicado a estudar as relações entre a mente e a tecnologia, as pessoas são as mesmas, tanto em ambientes físicos quanto virtuais, mas a Internet possibilita respostas rápidas. “As pessoas falam sem pensar”, diz Rutledge, diferentemente da experiência social off-line, em que o indivíduo se policia por conta da proximidade física do interlocutor.
A presunção do anonimato, o próprio distanciamento físico que impossibilita a comunicação não verbal (gestos, trejeitos faciais, posturas corporais que personalizam e colocam limite à interlocução) fornecem confiança e encorajam as pessoas com posições extremas a expressá-las nas redes e mídias sociais. A violência simbólica (Žižek - 2008), que acontece através da linguagem, das imposições discursivas, e que tem um importante papel na reprodução de estereótipos e estigmas sociais, que marginalizam, acontecem mais facilmente nesse contexto.
A ausência de “freios inibitórios” nesses meios virtuais de interação social imprime um falso sentimento de que se pode fazer tudo. Desse modo, propicia postagens, compartilhamentos ou comentários ofensivos que, muitas vezes, partem de usuários que querem simplesmente chocar e criar conflitos. Essas publicações passam a ser divulgadas pelos demais sem uma reflexão sobre a sua fonte, veracidade e sobre os possíveis prejuízos a terceiros. Uma vez publicada a informação, ela torna-se permanente, replicável, buscável, e a sua difusão dentro das redes sociais lhe dá visibilidade (Boyd, 2010).
Temas polêmicos, como a polarização política, diversidade de gênero, racismo, machismo, futebol e tantos outros, têm levado pessoas com visões distintas a se ofenderem e se ameaçarem, tanto em comentários feitos nos sites de notícias quanto nos grupos virtuais. Têm colocado fim a amizades e fomentado violência simbólica e mesmo física.
A agressividade não fica necessariamente nas redes sociais, porque os ambientes online e off-line não são completamente separados. Os usuários que se sentem ofendidos virtualmente podem permanecer com esse sentimento, tendo suas relações mediadas por ele, com consequentes prejuízos pessoais e sociais.
Por exemplo, colegas de trabalho que trocam mensagens virtuais com opiniões ou posições divergentes, ainda que não tenham a intenção de se agredirem mutuamente, podem se sentir atacados ou desrespeitados. Essas mesmas pessoas continuarão a se relacionar no ambiente “off-line” de trabalho e esse convívio pode ser negativamente afetado.
A comunicação não violenta definida por Rosenberg (2006) trata de uma forma de relacionar-se que considera a repercussão daquilo que comunicamos. Nessa proposta podemos nos comunicar uns com os outros nos responsabilizando, usando de compaixão e empatia.
De acordo com ele, ser empático significa compreender o que é manifestado, com respeito à vivência do outro. A utilização de uma comunicação empática pode favorecer as relações nas redes sociais ou fora delas. Isso implica colocar-se no lugar do outro, imaginando como ele se sentiria ao ler determinada mensagem, minimizando os equívocos de comunicação e responsabilizando-se por seus efeitos. Dessa forma, existem melhores condições para que todas as partes envolvidas no processo comunicacional possam controlar-se reciprocamente e zelar por uma comunicação mais efetiva e segura.
É sempre positivo que as pessoas debatam e desenvolvam seu conhecimento sobre temas, pensem e se expressem criticamente sobre eles. Mas tão importante quanto isso é a observância, seja num ambiente físico ou virtual, de regras básicas de convívio social, característica intrínseca à civilidade. É pautar as relações interpessoais na urbanidade e no respeito às diferenças, à pluralidade de pensamento e à diversidade cultural, o que propicia a construção de uma sociedade inclusiva e mais justa.
“O Jogo da Baleia Azul”- como uma notícia falsa pode suscitar sofrimentos verdadeiros
O recente episódio do “Jogo da Baleia Azul” é um bom exemplo dos riscos presentes na internet por dois grandes motivos. Primeiro, a capacidade de a internet disseminar informações falsas que, uma vez creditadas como verdadeiras, podem gerar danos e sofrimento reais. Segundo, a discussão em torno da informação se tornar prioritária sobre a interpretação dessa informação, ou seja, as pessoas valorizam mais o conteúdo da informação do que como as pessoas lidam e reagem a essa informação.
Thiago Tavares, presidente da ONG Safernet Brasil, em audiência pública realizada na Câmara do Deputados, no dia 09 de maio de 2017, afirmou: “essa notícia falsa que surgiu na Rússia e chegou ao Brasil de forma sensacionalista e alarmista acabou servindo de gatilho para um efeito de imitação”, disse ele.
Na verdade, essa notícia se espalhou pelo mundo como uma grande ameaça para adolescentes, mas desde 2016 já havia sido descreditada pelo governo Russo. A primeira publicação teria ocorrido no jornal Novaya Gazeta, que teria relatado 80 suicídios relacionados ao “Jogo da Baleia Azul”. Mas uma investigação da Radio Free Europe descobriu que nenhum dos suicídios estava relacionado de maneira conclusiva ao jogo.
Ciente do problema que a divulgação da notícia sobre o “Jogo da Baleia Azul” poderia acarretar, Georgi Apostolov, do SaferInternet Center da Bulgária, iniciou uma batalha virtual para evitar que a notícia falsa se espalhasse e fosse reproduzida em seu país. O intuito era de evitar um problema real: a possibilidade de imitação do comportamento suicida por parte dos jovens búlgaros.
No caso do “Jogo da Baleia Azul”, houve ainda um alerta importante, por se tratar de um grupo de risco no acesso à internet. Apostolov pesquisou os riscos e a segurança das crianças búlgaras na internet em 2016. Adolescentes com idades entre 12 e 14 anos são mais vulneráveis, pois a mediação e supervisão dos pais diminuem bastante nessa fase. Existe ainda uma curiosidade natural que os deixam mais solitários para lidarem com situações potencialmente perigosas.
De acordo com esse estudo, a preocupação dos pais com a forma como as crianças e adolescentes lidam com as informações que eles obtêm da internet pode diminuir ao longo do tempo, por isso é fundamental que os pais entendam a necessidade de instruir e cuidar dos filhos. Como as crianças, os jovens e os adultos se sentem diante dos conteúdos disponibilizados via internet é algo importante para avaliar o impacto psicológico e tomar medidas para proteger as pessoas.
Enquanto a geração de “nativos digitais” está buscando um equilíbrio entre oportunidades e perigos, muitos pais se sentem incompetentes ou ocupados demais para ajudá-los. É preciso que os pais busquem se empoderar para compreenderem e ajudarem os filhos a lidarem com o ambiente digital. Nesse sentido, torna-se relevante um esclarecimento a respeito do que pode ser feito para tornarmos a internet um espaço mais seguro e edificante para as pessoas.
A psicologia já estuda há muitas décadas a forte relação entre a qualidade dos espaços de comunicação, exercício da linguagem e a saúde das pessoas envolvidas. O exercício da linguagem tem sido objeto de estudo, para o conhecimento da subjetividade, com consequências práticas tanto nas formas de discurso quanto nas implicações para afirmações das diferenças.
A grande novidade deste milênio é que os espaços cibernéticos de comunicação e exercício da linguagem são menos demarcados, controláveis e sujeitos a repetições descontextualizadas. Iniciativas como o Safernet Brasil, a EU Kids Online e outras formas de controle são importantes para evitar que o descontrole no uso das informações no ambiente virtual gere efeitos reais sobre as pessoas. Zelar por um ambiente comunicacional mais seguro e protegido é uma forma de cuidar da saúde mental das pessoas.
Saiba mais
Você, servidor, que estiver vivenciando uma condição de sofrimento de maneira recorrente por conta de comunicações agressivas por meios virtuais, pode utilizar o seguinte e-mail para que possa pedir ajuda: saude.mental@stj.jus.br. Um membro da equipe de saúde entrará em contato.
Referências:
ROSENBERG, M. B. (2006). Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora.
RUTLEDGE, Pamela, Ph.D., M.B.A., Director of the Media Psychology Research Center and faculty in the media psychology program at Fielding Graduate University.
ŽIŽEK, Slavoj (2008). Violence: Six Sideways Reflections. London, Profile Books.
BOURDIEU, Pierre (1989). O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. ______ (1991). Language and Symbolic Power. Massachusetts, Harvard University Press.
BOYD, Danah (2010). “Social Network Sites as Networked Publics: Affordances, Dynamics, and Implications”. In: PAPACHARISSI, Zizi (ed.). Networked Self: Identity, Community, and Culture on Social Network Sites. Routledge, pp. 39-58.
RECUERO, R; SOARES, P. Violência simbólica e redes sociais no facebook: o caso da fanpage “Diva Depressão”. Galaxia (São Paulo, Online), n. 26, p. 239-254, dez. 2013.
Vídeo sobre Empatia:
https://www.youtube.com/watch?v=FVstAFkTq-Q
Texto: Seção de Assistência Psicossocial (SEAPS/SIS/STJ)
Colaboradores: Juliana Bernardes de Faria (SEADI/STJ) e Catarina Nogueira França Rêgo (Revisão)
Responsável pelo projeto: Camilla Ferreira de Lima (SEADI STJ)
Arte: Murilo Maia Carvalho/SEADI STJ (design gráfico) e Camilla Ferreira de Lima/SEADI STJ (web)
Ícones: FreePik/Vecteezy
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