Você já pensou na relação entre o seu trabalho e o seu bem-estar? As duas coisas têm tudo a ver, não é mesmo? Não apenas porque o trabalho ocupa um lugar central na existência das pessoas, como também pelo fato de que o universo profissional é um dos importantes campos da vida em que cada um de nós constrói a própria identidade.
De fato, as relações que estabelecemos com a organização em que trabalhamos e seus diversos componentes fazem um espelho para nós, por meio do qual conseguimos perceber melhor quem somos, quais são as nossas competências, em quais aspectos nos assemelhamos e nos diferenciamos das outras pessoas. O universo profissional constitui, então, um campo fértil de realizações, sentidos para a vida e autoconhecimento.
Desta forma, fica fácil compreender que quando nos avaliamos bem no trabalho, temos a chance de experimentar sensações de prazer e conforto. Ao contrário, se a experiência profissional não nos fornece um retorno prazeroso, põe em evidência algumas de nossas dificuldades ou nos faz sentir angústia, medo e impressão de inadequação, temos aí uma fonte de sofrimento. Isto significa que a forma como lidamos com o nosso trabalho não só pode nos fazer crescer, mas também, maltratar e adoecer.
Todos estes aspectos têm sido cuidadosamente estudados pela Psicodinâmica do Trabalho, disciplina criada pelo psiquiatra e psicanalista francês Christophe Dejours, que há anos investiga as relações de prazer e sofrimento no trabalho, trazendo luz a esse importante campo da saúde mental.
Ele argumenta que as organizações contemporâneas estão focadas no alcance de elevados índices de produtividade e, para isto, definem modelos de gestão compostos por regras, procedimentos, padrões de desempenho e formas de controle, que precisam ser observados por todos. Por outro lado, cada pessoa constrói a sua personalidade por meio de uma história singular, que modula a sua forma de expressão, as suas capacidades e expectativas em relação à vida. Para Dejours, as organizações, ao imporem os seus parâmetros, causam desconfortos para o trabalhador, uma vez que frustram suas expectativas individuais. É neste desencontro entre o desejo do indivíduo e a realidade imposta pelo trabalho que surge o sofrimento.
Com as pressões por produtividade cada vez mais intensas, as organizações disseminam a ideia de que os melhores profissionais, os que serão reconhecidos, são os que conseguem “vestir a camisa” e alcançar resultados. No entanto, essa nova cultura tem custos elevados para o indivíduo que, aos poucos, adere cegamente à demanda organizacional e convive com todo o sofrimento advindo do trabalho, sem mesmo dar-se conta de que está sofrendo. Esse processo de alienação é danoso, pois ao não perceber que sofre e nem as causas de seu sofrimento, fica sem condições de modificar o contexto no qual atua.
A realidade do trabalho, então, torna-se solitária para muitos. Sem ter tempo ou pessoa com quem falar, o indivíduo precisa lidar sozinho com as injustiças percebidas e com o drama ético de ter que produzir mais com menos qualidade. Algumas vezes, precisa adotar comportamentos que desaprova para fazer face à competição existente. Não é raro que, ao deparar-se com dificuldades, o profissional passe a perceber-se inadequado, sinta medo de fracassar, culpe-se por considerar-se menos adaptado que os demais colegas e tenha vergonha de falar sobre os seus tormentos. Esse é o contexto mais doloroso e perigoso para a saúde psíquica.
Dejours observou que todos os trabalhadores experimentam sofrimento, mas concluiu que nem todo desconforto é danoso ou faz adoecer. Ele constatou que a maioria das pessoas, mesmo diante de situações laborais precárias (tarefas repetitivas e de baixa complexidade, más condições, metas elevadas, excesso de controles etc.), consegue manter-se bem. Por isso, o foco da Psicodinâmica do Trabalho está nas estratégias individuais e coletivas empregadas na busca do equilíbrio psíquico, de forma a transformar o sofrimento inerente ao trabalho em uma experiência que faça sentido para a organização e para cada indivíduo, possibilitando que o resultado do esforço seja o fortalecimento da identidade e autoestima.
De acordo com esse enfoque, o antídoto mais poderoso contra o sofrimento é a criação de espaços coletivos onde os trabalhadores tenham a oportunidade de falar a respeito das suas vivências profissionais, de maneira que as suas percepções sejam compreendidas e acolhidas. Podem ser espaços formais (reuniões e treinamentos) ou informais (uma conversa na hora do café, por exemplo), desde que possibilitem o fortalecimento de valores humanos como cooperação e solidariedade, resultando em maior bem-estar e, se necessário, mudanças em aspectos relativos à organização do trabalho, como rotinas, procedimentos, ritmos de execução, dentre outros.
O reconhecimento é outro fator de grande relevância para a saúde no trabalho. Ao termos as nossas realizações reconhecidas, percebemos que o nosso esforço e sofrimento não foram em vão. Eles ganham um sentido, convertendo-se em satisfação pelo resultado que produzimos. É importante que o reconhecimento venha da parte da organização, mas outras fontes podem ser igualmente relevantes, como o nosso próprio reconhecimento, da nossa família ou de outros participantes da comunidade.
Como vemos, o trabalho é um aspecto fundamental para o nosso bem-estar e, consequentemente, para a nossa felicidade. Se em nossa vida profissional os incômodos se tornarem muito presentes, precisamos lidar com eles. Vale a pena, também, não nos esquecermos de manter os demais campos da vida bem cuidados, como o lazer, os afetos, a atividade física, dentre outros, para que nos sirvam de suporte quando as crises profissionais nos alcançarem.
E então, você tem conversado com seus colegas sobre como o trabalho está organizado em seu setor? Sente-se reconhecido profissionalmente? Enfim, você está feliz no trabalho?
Entre em contato
Se estas questões são fontes de preocupação, você, que é servidor do Superior Tribunal de Justiça, pode conversar com a equipe da Seção de Assistência Psicossocial (SEAPS). Mande um e-mail para saude.mental@stj.jus.br e entraremos em contato.
Fontes
DEJOURS, C. (1998). A loucura do trabalho: estudo de Psicopatologia do Trabalho. São Paul: Cortez.
DUARTE, F. S.; Mendes, A. M. (2015). Da escravidão à servidão voluntária: perspectivas para a clínica psicodinâmica do trabalho no Brasil. Farol: Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, Belo Horizonte, n. 3, p. 68-128, abr. 2015.
FREUD, S. (1998). O mal estar na civilização (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago.
Trabalhar na magistratura, construção da subjetividade, saúde e desenvolvimento profissional/Coord. Laerte Sznelwar [et al.]. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015.
TAVARES, D. S. (2003). O sofrimento no trabalho entre servidores públicos: uma análise psicossocial do contexto de trabalho em um Tribunal Judiciário Federal. [Dissertação de Mestrado –Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo].
Texto: Seção de Assistência Psicossocial (SEAPS/SIS/STJ)
Colaboradores: Juliana Bernardes de Faria (SEADI/STJ) e Catarina Nogueira França Rêgo (Revisão)
Responsável pelo projeto: Camilla Ferreira de Lima (SEADI STJ)
Arte: Gabryel Antônio de Oliveira/SEADI STJ (design gráfico) e Camilla Ferreira de Lima/SEADI STJ (web)
Ícones: FreePik/Vecteezy
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